O Amor Move Montanhas, Mas e Quando Ainda Não Há Amor?
- CHAT21

- 25 de jul.
- 4 min de leitura

Desde o primeiro teste positivo, a jornada da maternidade é embalada por expectativas. Visualizamos um parto, um berço, risadas, marcos de desenvolvimento e um futuro desenhado com cores vibrantes. É natural, humano e até belo sonhar com a criança que teremos e com a mãe que seremos. Mas e se o roteiro que escrevemos não for o que a vida nos entrega? E se, no meio desses sonhos, a realidade se apresentar de forma inesperadamente diferente?
Esse descompasso entre o que esperamos e o que realmente acontece é um dos maiores desafios e também uma das maiores oportunidades de crescimento na maternidade.
O Primeiro Encontro com o Inesperado
Para muitas de nós, a primeira grande ruptura com a expectativa pode vir ainda na gestação ou no nascimento. É o momento do diagnóstico, seja ele uma Síndrome de Down, outra deficiência ou qualquer condição que desvie do "modelo" que tínhamos em mente para nosso filho.
Nesse instante, a dor pelas expectativas perdidas é real. É a sensação de que o futuro imaginado se desfez. Sentimos medo, incerteza e, muitas vezes, uma culpa avassaladora por sequer sentir essa dor. Afinal, como podemos lamentar o que esperávamos quando temos um ser tão amado e vulnerável em nossos braços?
O amor move montanhas. Muitos livros, blogs médicos e até mesmo algumas vertentes religiosas insistem na frase "o amor vai mostrar o caminho", "o amor constrói", "o amor move montanhas". Mas e se, quando o bebê nasce, ainda não há amor, só susto, medo e dor? O que move? Como se mover?
Nesse turbilhão, cada pessoa encontra sua maneira de seguir em frente. Alguns buscam terapia, outros procuram apoio na família. Para muitos, como eu, o que impulsionou foi o conhecimento, e a consciência da falta dele. Saber o que é a Síndrome de Down, compreender a rotina de famílias com crianças com T21 e, acima de tudo, conhecer a minha própria filha – foi isso que me impulsionou. É um processo de mergulho, de busca e de conexão com a realidade que se apresenta.
É crucial entender que esses sentimentos são válidos e fazem parte do processo de ressignificação. Não se trata de amar menos seu filho, mas de recalibrar um universo inteiro de possibilidades.
Quando as Expectativas Decepcionam na Maternidade em Geral
As expectativas não são um "problema" apenas para mães de crianças com deficiência, mas sim para a maternidade em geral. O caminho também é repleto de momentos onde a realidade se choca com o idealizado.
O parto que não foi como o planejado: uma cesariana de emergência, um parto diferente do sonhado.
A amamentação desafiadora: as dores, a dificuldade, a pressão social.
As noites em claro sem fim: o cansaço que anula a imagem da mãe serena e plena.
Os desafios do desenvolvimento: aquela fase que parece não ter fim, o temperamento forte, as birras que testam nossos limites.
As escolhas na vida adulta: quando o filho decide ser músico em vez de médico, ou escolhe um esporte de aventura que nos tira o sono. São escolhas que nos desafiam a desapegar do controle e a confiar na jornada deles, por mais que nos causem apreensão.
Em cada um desses momentos, nossas expectativas podem nos levar à frustração e à sensação de fracasso. É aqui que a rigidez dos nossos sonhos pode nos impedir de ver a beleza e o aprendizado que estão presentes na situação real, por mais difícil que seja.
O Poder de Abrir-se ao Novo
Estar aberta para o novo, mesmo que ele seja completamente diferente do que imaginamos, é a chave para transformar a frustração em força. É o que nos permite:
Entender a Realidade: Reconhecer que o caminho é outro, mas isso não o torna menos valioso ou menos cheio de significado. O entendimento liberta.
Descobrir Novas Formas de Conexão: A criança que chegou, com suas particularidades e sua essência única, revela em nós uma capacidade de dedicação e de luta que talvez nem soubéssemos que existia.
Encontrar Nosso Lugar: Ao desapegar do "como deveria ser", começamos a construir o "como é" e, nesse processo, encontramos nosso lugar como mãe. O que parecia uma limitação, pode se tornar uma fonte de propósito e um campo fértil para o autoconhecimento.
Como Nossas Expectativas Impactam Nossos Filhos
Nossas expectativas não afetam apenas a nós mesmas; elas reverberam diretamente em nossos filhos. Quando nos apegamos a expectativas irrealistas, podemos, sem querer, projetar frustração, ansiedade ou até mesmo uma sensação de não-correspondência (do "ideal" não realizado) neles. Eles sentem essa energia, e isso pode minar sua autoconfiança ou criar um ambiente de pressão para serem algo que não são. Para uma criança com deficiência, isso é ainda mais devastador, pois pode levá-la a sentir que não atende às expectativas de quem mais a ama.
Por outro lado, ao recalibrar nossas expectativas para a realidade, nos tornamos mães mais presentes, empáticas e dispostas a celebrar cada pequena vitória – por menor que seja – de nossos filhos. Passamos a enxergá-los como eles são, em sua totalidade, com seus desafios e suas incríveis capacidades. Isso cria um ambiente de segurança, acolhimento incondicional e um vínculo verdadeiro, onde nossos filhos podem florescer e desenvolver todo o seu potencial, dentro das suas próprias possibilidades. Quando entendemos a nossa realidade e conhecemos nossos filhos, passamos a ter sonhos palpáveis, expectativas que podem ou não se concretizar, mas a frustração não é mais um buraco profundo e sim uma poça, ao qual atravessamos molhando os pés mesmo e pronto, depois ajustamos de novo e assim seguimos.
Maternar é uma aventura
A maternidade, seja com crianças com deficiência ou não, é um desafio constante, uma jornada que, assim como num jogo de basquete, é preciso pivotar o tempo todo. Quanto mais flexíveis somos conosco mesmas e com nossas expectativas, mais podemos desfrutar da presença e da individualidade de nossos filhos. É sobre curtir as nuances do caminho real, com todas as suas curvas e surpresas, e não focar apenas na chegada ao destino final, porque quando chegar lá, perceberá que não aproveitou a melhor parte que, agora, já ficou para trás.






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